domingo, 19 de setembro de 2010

O Mundo na Década de 1780 - I

Como era o mundo no século XVIII, mais precisamente na década de 1780? O historiador Eric Hobsbawm parece ter feito essa pergunta, ao começar o livro "A Era das Revoluções", sendo que o primeiro capítulo, da primeira parte, chama-se justamente "O Mundo na Década de 1780".
Ele começa o texto com uma afirmação:

"A primeira coisa a observar sobre o mundo na década de 1780 é que ele era ao mesmo tempo menor e muito maior que o nosso."

Ele explica essa afirmação pelo fato de que, em fins do século XVIII, conhecia-se muito pouco do mundo. É certo que já se haviam descoberto todos os continentes, inclusive a Oceania. Mas por outro lado, esse mundo era pouco conhecido, sendo que as pessoas viviam principalmente no litoral, e haviam poucos mapas. Esse mundo de então, além de "menor", era menos povoado que hoje, tendo cerca de um terço da população atual. E essa população, além de tudo, era menor no sentido literal da palavra, pois eram comprovadamente mais baixos que as pessoas de hoje.

Por outro lado, esse mundo era "maior" que o atual, se formos pensar nas dificuldades que as pessoas tinham, para se locomover e se comunicar:

"...para a grande maioria dos habitantes do mundo as cartas eram inúteis, já que não sabiam ler, e o ato de viajar - exceto talvez o de ir e vir dos mercados - era absolutamente fora do comum."

A maior parte do transporte de mercadorias e pessoas era feito por água (salgada e doce). Então, era mais fácil ir-se de Londres a Lisboa (por mar) que de Londres a Edimburgo (por terra). Se levarmos em conta as regiões onde chovia muito, deixando estradas enlameadas, a dificuldade aumenta. E o sistema de comunicações não era muito melhor, visto que as cartas e documentos viajavam nesses navios e carruagens. Mas, para quem se escreveria?

"A noticia da queda da Bastilha chegou a Madri em 13 dias; mas em Péronne, distante apenas 133 quilómetros da capital francesa, "as novas de Paris" só chegaram no final do mês."

Segundo Hobsbawm, a maioria das pessoas que viveu naquela época, cresceu e morreu sem ter saído de sua região, e até mesmo os "desbravadores" não conheciam tudo, visto que também eram limitados por diversos fatores, desde a dificuldade para se locomover até a existência de povos inimigos e até mesmo hostis no caminho.
Até mesmo os movimentos migratórios, tão comuns hoje em dia, eram inexistentes então. Sair de sua região e ir para outra não era algo comum, que a maioria das pessoas fizesse.
Na verdade, nem havia como ter grandes movimentos migratórios, visto que a população européia, principalmente, nem sequer vivia em grandes concentrações. A maioria da população era basicamente rural, vivendo longe dos grandes centros, que nem eram tão grandes assim.

"A palavra "urbano" é certamente ambígua. Ela inclui as duas cidades européias que por volta de 1789 podem ser chamadas de genuinamente grandes segundo os nossos padrões - Londres, com cerca de um milhão de habitantes, e Paris, com cerca de meio milhão - e umas 20 outras com uma população de 100 mil ou mais: duas na França, duas na Alemanha, talvez quatro na Espanha, talvez cinco na Itália (o Mediterrâneo era tradicionalmente o berço das cidades), duas na Rússia, e apenas uma em Portugal, na Polónia, na Holanda, na Áustria, na Irlanda, na Escócia e na Turquia européia."

Mas se engana quem acha que não houvessem inúmeras cidades na Europa. Elas apenas não eram populosas, mas tinham todas as características de uma pequena cidade do interior, desde governo e religião, órgãos públicos, mercados e toda sorte de atividades e problemas que possui uma cidade provinciana.

"A cidade provinciana ainda pertencia essencialmente à sociedade e à economia do campo. Além de se refestelar sobre os camponeses vizinhos, ocupava-se (relativamente com poucas exceções) de muito pouco mais, exceto de lavar sua própria roupa. Suas classes média e profissional eram constituídas pelos negociantes de trigo e de gado, os processadores de produtos agrícolas, os advogados e tabeliões que manipulavam os assuntos relativos ao patrimônio dos nobres ou os intermináveis litígios que são parte integrante da vida em comunidades proprietárias de terras, os empresários mercantis que exploravam os empréstimos aos fiandeiros e tecelões dos campos, e, por fim, os mais respeitáveis representantes do governo, o nobre e a Igreja."

Percebe-se, por este trecho, que a maioria das cidades provincianas de então, dependia economicamente da zona rural. Era ela que movimentava a cidade, em todos os sentidos.

"O problema agrário era portanto o fundamental no ano de 1789, c é fácil compreender por que a primeira escola sistematizada de economistas do continente, os fisiocratas franceses, tomara como verdade o fato de que a terra, e o aluguel da terra, era a única fonte de renda líquida."

Assim, do ponto de vista da economia agrária, Hobsbawm "dividiu" o mundo conhecido em três grandes regiões:

1) As Américas, onde a maioria das fazendas, haciendas, estâncias, eram povoadas por poucos europeus que comandavam, e por inúmeros índios, negros e mestiços, que trabalhavam, geralmente em regime de escravidão, para plantar "açúcar, em menos quantidade o café e o tabaco, tintas e, a partir da revolução industrial, sobretudo o algodão";

2) O Leste Europeu, chamado de "região de servidão agrária". Essa região incluía a Turquia européia, os Balcãs, o norte da Itália, a região do Báltico, a Rússia e a Espanha, entre outros. Ali, praticava-se uma economia praticamente feudal, com camponeses sendo explorados por proprietários de terra de origem nobre. Nessa região, "a agricultura servil produzia basicamente culturas de exportação para os países do Ocidente: trigo, fibra de linho, cânhamo e produtos florestais usados principalmente na fabricação de navios";

3) "Somente algumas áreas levaram o desenvolvimento agrário mais adiante, rumo a uma agricultura puramente capitalista. A Inglaterra era a principal delas. Lá, a propriedade de terras era extremamente concentrada, mas o agricultor típico era o arrendatário com um empreendimento comercial médio, operado por mão-de-obra contratada."

O mundo estava prestes a mudar, mas a maioria das pessoas não percebia isso, visto que o foco da mudança, a região da Inglaterra e da França, ainda era pequeno, em relação ao todo. E, mesmo que os fisiocratas franceses não estivessem de todo certos, foram as mudanças na economia agrária que permitiram essa mudança.

"Tecnicamente a agricultura europeia era ainda, com exceção de algumas regiões adiantadas, duplamente tradicional e assustadoramente ineficiente. Seus produtos eram ainda os tradicionais: centeio, trigo, cevada, aveia e, na Europa Oriental, trigo sarraceno (alimento básico da população), gado de corte, cabras e seus laticínios, porcos e aves, uma certa quantidade de frutas e legumes, vinho, e algumas matérias-primas industriais como a lã, a fibra de linho, cânhamo para cordame, cevada para a produção de cerveja etc. A alimentação da Europa era essencialmente regional. Os produtos de outros climas eram ainda raridades próximas do luxo, exceto talvez o açúcar, o mais importante alimento importado dos trópicos e cuja doçura provocou mais amargura humana do que qualquer outro."

* Síntese: páginas 23 a 38 - Continua
* Imagem: Retrato do Rei Luís XVI (França), pintado por Antoine-François Callet (1741/1823), em 1788.

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