sábado, 2 de outubro de 2010

O Mundo na Década de 1780 - II


No post anterior, observamos alguns detalhes sobre a década de 1780, segundo a ótica do historiador Eric Hobsbawm. Entre outros detalhes, ele destacou que o mundo, naquela época, "era ao mesmo tempo menor e muito maior que o nosso", analisou os meios de transporte e de comunicação, as cidades provincianas, os fisiocratas e as três "grandes regiões agrárias" em que o mundo se dividia.

Ele nos apresentou um mundo não muito diferente desse que temos hoje, visto que muitos dos elementos que o compõem, já estavam ali presentes. Mas, sendo que o assunto em questão é a "dupla revolução" que aconteceu naquele tempo, os detalhes convergem para a questão econômica. Podemos sintetizar a realidade da época numa pequena frase:

"...embora a mineração e a fabricação estivessem-se expandindo rapidamente em todas as partes da Europa, o mercador (e na Europa Oriental também muitas vezes o senhor feudal) é que continuava fundamentalmente a deter o seu controle."

Lembremos que a Europa Oriental ainda praticava as relações feudais, no século XVIII e, em muitos lugares, essas relações chegaram ao século XX. O diferencial estava surgindo na Europa Ocidental que, desde a Baixa Idade Média praticava, cada vez mais, o comércio. Esse comércio desenvolveu-se, entre os séculos XVI e XVIII, com o "empurrão dado pelas Grandes Navegações, e agora dependia não só do trabalho do camponês e do artesão, mas também das manufaturas, que também foram se desenvolvendo.
Apesar disso, nesse período que Hobsbawm analisa, o mercador (Europa Ocidental) e o senhor feudal (Europa Oriental) ainda detinham o "poder", o "controle".

A indústria ainda estava se desenvolvendo, e o industrial nada mais era que seu "gerente". Apenas na Inglaterra, já se observava "industriais de respeito", como Josiah Wedgwood (1730/1795, ceramista inglês, avô materno de Charles Darwin).
Os iluministas também enalteciam a figura do "self-made-man racional e ativo", sendo Benjamin Franklin (1706/1790, jornalista, editor, autor, filantropo, abolicionista, funcionário público, cientista, diplomata, inventor e enxadrista estadunidense) a personificação desse "novo homem" que estava surgindo.
Sociedades iam surgindo, com a finalidade de congregar esses homens de visão. Um exemplo que o autor cita é a Sociedade Lunar de Birminghan, que reuniu nomes como o próprio Wedgwood, James Watt (1736/1819, inventor da moderna máquina a vapor), Matthew Boulton (sócio de Watt), Joseph Priestley (1733/1804, "descobriu" o oxigênio), Erasmus Darwin (1731/1802, avô de Charles Darwin e escritor de diversos livros de medicina e botânica), John Baskerville (1705/1775, tipógrafo), entre outros.

Percebe-se que tanto na França (Voltaire, Montesquieu, Rousseau, etc.) como na Inglaterra (Darwin, Watt, Priestley, etc.), o espírito da época era o do empreendedorismo e o da diversificação de "dons": quase podemos imaginar esses notáveis senhores se reunindo, para debater idéias e "jogando os holofotes" (daí o "iluminismo") em seus pares, quando se destacavam em alguma atividade. O espírito da época impulsionava-os às descobertas, às invenções, à glória. Tendo dois avôs empreendedores, provavelmente não se esperava nada de Charles Darwin, a não ser a superação...

"Libertar o indivíduo das algemas que o agrilhoavam era o seu principal objetivo: do tradicionalismo ignorante da Idade Média, que ainda lançava sua sombra pelo mundo, da superstição das igrejas (distintas da religião "racional" ou "natural"), da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro critério irrelevante. A liberdade, a igualdade e, em seguida, a fraternidade de todos os homens eram seus slogans."

Os iluministas se congregavam principalmente na Inglaterra e na França, e pertenciam à classe média. Mas, era seu desejo "libertar" todas as classes sociais, no que talvez fossem um tanto ou quanto românticos. Também pretendiam "construir" uma sociedade onde a "igualdade" e a "fraternidade" fossem a norma. Na verdade, como o próprio Hobsbawm analisa, essa ideologia era mais revolucionária que prática, pois mudanças desse porte nunca se fariam de maneira natural. Não é por acaso que "liberdade, igualdade e fraternidade" tenham se tornado o lema da Revolução Francesa.
O desejo por progresso era crescente, e a "reforma da sociedade" como ela se apresentava, logo seria uma necessidade, para esses homens.

O "ancien règime" ("antigo regime") até tentou se "adaptar" aos novos tempos, ou até mesmo adaptá-los a si, na figura dos "déspotas esclarecidos". Mas, mesmo com toda boa vontade, esse sistema ainda era mais aprecido ao "ancien régime" do que ao que se esperava, em termos de progresso, de um governo "iluminista".

"Naquela época, os príncipes adotavam o slogan do "iluminismo" do mesmo modo como os governos de nosso tempo, por razões análogas, adotam slogans de "planejamento"; e, como em nossos dias, alguns dos que adotavam slogans em teoria muito pouco fizeram na prática, e a maioria dos que fizeram alguma coisa estava menos interessada nas idéias gerais que estavam por trás da sociedade "iluminada" (ou "planejada") do que na vantagem prática de adotar os métodos mais modernos de multiplicação de seus impostos, riqueza e poder".

Pelo que podemos observar, esses déspotas eclarecidos nada mais eram que monarcas que sentiram que a situação estava mudando, e que deveriam fazer algo para que não se mudasse tanto. Mas, assim como os senhores feudais, a nobreza e a Igreja, eles eram representantes de um sistema que já não satisfazia esses "novos homens" que estavam surgindo...

"A monarquia absoluta, apesar de teoricamente livre para fazer o que bem entendesse, na prática pertencia ao mundo que o iluminismo tinha batizado de féodalité ou feudalismo, termo mais tarde popularizado pela Revolução Francesa."

Fechando essa análise, Hobsbawm cita três "inimigos" dos monarcas de então:

"O que tornou estes regimes ainda mais vulneráveis foi que eles estavam sujeitos a pressões de três lados: das novas forças, da arraigada e cada vez mais dura resistência dos interesses estabelecidos mais antigos, e dos inimigos estrangeiros."

* Síntese: páginas 39 a 45 - Continua
* Imagem: Retrato de Benjamin Franklin (EUA), pintado por Joseph Duplessis (1725/1802), em 1778.

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